DECRETO Nº 3.755, de 22 de dezembro de 2010

 

Dispõe sobre o reconhecimento das Reservas Particulares do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE no âmbito do Estado de Santa Catarina.

 

O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, usando da competência privativa que lhe confere o art. 71, inciso III, da Constituição do Estado, e tendo em vista o disposto na Lei Complementar nº 381, de 7 de maio de 2007, e na Lei nº 14.675, de 13 de abril de 2009,

 

D E C R E T A:

 

CAPÍTULO I

DA DEFINIÇÃO, DOS OBJETIVOS E DAS ATIVIDADES PERMITIDAS

 

Art. 1° A Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE é uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, de caráter individual ou coletivo, de pessoa física ou jurídica, a ser especialmente protegida por iniciativa voluntária do proprietário do imóvel urbano ou rural, área total ou parcial, mediante reconhecimento do Poder Público estadual.

 

§ 1° As RPPNEs poderão ser criadas somente em áreas de posse e domínio privados.

 

§ 2° As RPPNEs poderão ser criadas em propriedades com mais de uma matrícula, desde que em áreas contíguas.

 

§ 3° Fica proibida a exploração direta de recursos naturais em RPPNE.

 

Art. 2° A Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE tem como objetivos específicos, dentre outros, a proteção, a restauração e/ou a recuperação da paisagem, das condições naturais primitivas, semiprimitivas, recuperadas ou cujas características justifiquem ações de recuperação pela sua fragilidade, pelo seu valor cultural, paisagístico, histórico, estético, hidrológico, geológico, florístico, faunístico, arqueológico, turístico, paleontológico, ecológico, espeleológico e científico ou para a continuidade do ciclo biológico de espécies da fauna e da flora nativas, para a manutenção de processos ecológicos e proteção dos ecossistemas essenciais, de serviços ambientais ou outros atributos ou recursos ambientais que justifiquem sua criação, bem como garantir a conectividade direta ou funcional entre remanescentes de ambientes naturais.

 

Art. 3° A Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE só poderá ser utilizada para o desenvolvimento de atividades científicas, culturais, educacionais, recreativas, interpretativas e turísticas, de acordo com o seu Plano de Manejo e o disposto na Lei Federal n° 9.985, de 18 de julho de 2000.

 

Art. 4° A administração da Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE será exercida pelo seu proprietário, que poderá delegá-la ou estabelecer parcerias para gestão compartilhada.

 

CAPÍTULO II

DA CRIAÇÃO E RECONHECIMENTO DA RESERVA PARTICULAR DO PATRIMÔNIO NATURAL ESTADUAL

 

Art. 5° A FATMA prestará serviço técnico gratuito visando avaliar o interesse público na criação da RPPNE, dando preferência aos requerimentos que correspondam a imóveis inseridos em áreas prioritárias para a conservação da natureza, no entorno e zona de amortecimento de Unidades de Conservação, em Áreas de Proteção Ambiental - APA, mosaicos de áreas protegidas e em corredores ecológicos.

 

Art. 6° Compete à FATMA, sempre que requisitada, o reconhecimento da Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE, após a verificação da existência de interesse público na conservação de sua biodiversidade, bem como adotar os seguintes procedimentos:

 

I - analisar os documentos e formulários apresentados;

II - realizar vistoria no imóvel;

III - divulgar, em diário oficial e em seu site, pelo prazo de 30 (trinta) dias, além de oficiar ao(s) município(s) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, para fins de consulta pública da intenção do proprietário quanto a criação de RPPNE, devendo também divulgar no mural da sede da FATMA e na respectiva CODAM;

IV - emitir parecer técnico e jurídico, deferindo ou indeferindo a criação da RPPNE e notificação ao proprietário sobre o resultado do parecer;

V - publicar portaria declarando o reconhecimento da RPPNE;

VI - encaminhar cópia autêntica da portaria publicada ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio para dar conhecimento do fato e permitir registro no cadastro nacional das RPPN; e

VII - reavaliar periodicamente a área através de vistoria técnica in loco com fins de monitoramento da RPPNE.

 

Art. 7° O proprietário interessado em que o imóvel de sua propriedade seja reconhecido como RPPNE, deverá encaminhar a sede da FATMA ou CODAM de onde estiver situado o imóvel, um requerimento, de acordo com a instrução normativa específica emitida pela FATMA.

 

Art. 8° A Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE será reconhecida, a partir do termo de compromisso firmado pelo proprietário ou representante legal do imóvel com o órgão ambiental competente, após averbação em caráter perpétuo, junto à matrícula do imóvel perante o cartório de registro de imóveis competente, por portaria expedida pela FATMA.

 

Art. 9° Poderá ser criada Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE em propriedade hipotecada, desde que o proprietário apresente anuência da instituição credora.

 

Art. 10. A Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE poderá ser instituída em área de projetos oficiais de assentamento, desde que haja anuência do INCRA ou outro órgão público competente, bem como a expressa concordância, coletiva ou individualizada, dos assentados, sobre a manutenção do gravame de perpetuidade de proteção ambiental quando da plena emancipação do assentamento.

 

Art. 11. Não será reconhecida RPPNE em propriedade sobre a qual pesem autos de infração de natureza ambiental não quitados.

 

Art. 12. Publicado o ato de reconhecimento, a Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE só poderá ser extinta ou ter seus limites reduzidos mediante lei específica.

 

Art. 13. A partir da divulgação pública, nos termos do inciso III do art. 5° deste Decreto, a área não poderá ser afetada para outros fins até a conclusão da análise e definição de sua destinação, respeitando o prazo máximo de 90 (noventa dias) dias, prevalecendo o que ocorrer primeiro.

 

Art. 14. A área total da Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE poderá ter até 30% (trinta por cento) de seus limites destinados para recuperação ambiental, observando o laudo da vistoria.

 

Parágrafo único. Os projetos de recuperação somente poderão utilizar espécies nativas de ecossistemas em que está inserida a RPPNE.

 

Art. 15. A área de imóvel rural reconhecida como Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE poderá sobrepor, total ou parcialmente, a Reserva Legal ou as Áreas de Preservação Permanente previstas em normas legais.

 

Parágrafo único. A área da RPPNE, tanto as já criadas quanto as que vierem a ser, que exceder ao mínimo legalmente previsto de reserva legal do imóvel poderá ser cedida para outro imóvel que precise complementar sua própria reserva legal, desde que mantidas as restrições previstas em lei e respeitadas as demais determinações legais e regulamentares.

 

CAPÍTULO III

DO PLANEJAMENTO, MANEJO, MONITORAMENTO,

AVALIAÇÃO E GESTÃO

 

Art. 16. Toda Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE deverá contar com Plano de Manejo, que será analisado e aprovado pela FATMA.

 

§ 1° O Plano de Manejo deverá ser apresentado no prazo máximo de 5 (cinco) anos a contar do reconhecimento da RPPNE.

 

§ 2° A FATMA fornecerá orientação técnica e científica para elaboração do Plano de Manejo.

 

Art. 17. As construções e infraestrutura existentes antes da criação da RPPNE, bem como aquelas necessárias ao seu manejo, poderão ser mantidas ou instaladas, conforme dispuser o seu Plano de Manejo.

 

Art. 18. As espécies exóticas preexistentes, quando da criação da RPPNE, deverão ser erradicadas, de acordo com o Programa Estadual de Erradicação de Exóticas Invasoras em Unidades de Conservação ou conforme previsto no Plano de Manejo aprovado para a RPPNE.

 

Parágrafo único. O projeto de restauração somente utilizará espécies nativas dos ecossistemas em que está inserida a RPPNE e privilegiará o sistema de sucessão natural.

 

Art. 19. A pesquisa científica em RPPNE, que independe da existência de Plano de Manejo, deverá ser estimulada e dependerá de autorização prévia do proprietário e, se envolver coleta, os pesquisadores deverão adotar os procedimentos exigidos na legislação pertinente.

 

Art. 20. A reintrodução de espécies nativas em RPPNE somente será permitida mediante estudos técnicos e projetos específicos, aprovados pela FATMA, que comprovem a sua adequação, necessidade e viabilidade.

 

Art. 21. A soltura de animais nativos nas RPPNEs poderá ser permitida pela FATMA, ouvido o proprietário, após avaliação técnica que comprove, no mínimo, a origem, a integridade e sanidade físicas dos animais e sua ocorrência originária nos ecossistemas em que está inserida a Unidade.

 

§ 1° Caso seja identificado algum desequilíbrio relacionado à soltura descrita no caput deste artigo, esta deverá ser suspensa e retomada somente após avaliação específica.

 

§ 2° A FATMA organizará e manterá cadastro das RPPNE interessadas em receber animais nativos para soltura, orientando os proprietários e técnicos sobre os procedimentos e critérios a serem adotados.

 

Art. 22. Ficam vedadas a existência e a instalação de criadouros em Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE.

 

§ 1° Excetuam-se da proibição prevista no caput deste artigo os criadouros científicos vinculados a planos de recuperação de populações de animais nativos localmente ameaçados, ou de programas de repovoamentos de áreas por espécies em declínio na região, de acordo com estudos técnicos prévios aprovados pela FATMA.

 

§ 2° Existindo criadouros na área pretendida para a criação da RPPNE, o proprietário deverá firmar termo de compromisso para retirada no prazo máximo de 18 (dezoito) meses.

 

Art. 23. No exercício das atividades de vistoria, fiscalização, acompanhamento e orientação, a FATMA, diretamente ou por prepostos formalmente constituídos, terá livre acesso à Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE.

Art. 24. Caberá ao proprietário do imóvel:

 

I - assegurar a manutenção dos atributos ambientais da RPPNE;

II - submeter à aprovação da FATMA o Plano de Manejo da RPPNE; e

III - encaminhar à FATMA, sempre que solicitado, relatório da situação da unidade e das atividades nela desenvolvidas.

 

Art. 25. À Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE será garantida, pelas autoridades públicas competentes, a mesma proteção assegurada pela legislação em vigor às florestas de preservação permanente e às áreas cuja conservação seja de interesse público, sem prejuízo do direito de propriedade, que será exercido por seu titular em defesa da reserva, sob a orientação e com o apoio da FATMA.

 

Art. 26. A RPPNE deverá passar por monitoramento e avaliação, sendo os procedimentos, as variáveis e os métodos definidos pela FATMA.

 

Art. 27. As RPPNEs registradas no Cadastro Estadual de Unidades de Conservação serão anualmente reavaliadas, ficando o proprietário do imóvel, em caso de descaracterização dos atributos que justificaram a sua criação, obrigados a recompô-los.

 

§ 1° A área alterada será descadastrada do Cadastro Estadual de Unidades de Conservação.

 

§ 2° A exclusão da RPPNE do Cadastro Estadual de Unidades de Conservação - CEUC, não desconstitui a Unidade de Conservação, cujo ato jurídico perfeito de reconhecimento tem caráter perpétuo, obrigando ao proprietário e seus sucessores a respeitar o gravame como ônus real, devendo a FATMA adotar todas as providências necessárias, administrativas e judiciais, civis e penais, para a proteção integral da área.

 

§ 3° Para efeito de descaracterização, serão observadas atividades e/ou intervenções na RPPNE que possam prejudicar seus atributos, sua manutenção, sua qualidade ambiental e que propiciem o desvio de sua destinação.

 

§ 4° A área da RPPNE que porventura tenha sido descaracterizada deverá ser recomposta por seu proprietário por meio de procedimentos técnicos e utilizando espécies nativas da região em que se encontra inserida.

 

CAPÍTULO IV

do Programa Estadual de Incentivo Às Reservas Particulares de Patrimônio Natural ESTADUAL

 

Art. 28. O Programa Estadual de Incentivo às Reservas Particulares do Patrimônio Natural do Estado de Santa Catarina, sob coordenação da FATMA, instituído pelo art. 151 do Código Estadual do Meio Ambiente, tem como finalidades:

 

I - apoiar os proprietários de imóveis rurais e urbanos na criação, gestão e manutenção de suas RPPNEs;

II - potencializar e fortalecer a conservação dos recursos naturais em terras privadas;

III - conectar áreas naturais protegidas como corredores ecológicos e mosaicos de áreas protegidas;

IV - apoiar os proprietários nos encaminhamentos junto aos demais setores governamentais federais, estaduais e municipais, em especial quanto aos pedidos de isenção de impostos, tais como ITR e IPTU, para as áreas de RPPNE, bem como a redução de impostos para o restante do imóvel em que se situar a Unidade de Conservação; e

V - apoiar a criação e fortalecimento da organização associativa dos proprietários de RPPNE no Estado.

 

Art. 29. O Programa Estadual de Incentivo às Reservas Particulares do Patrimônio Natural do Estado de Santa Catarina deverá, ainda, realizar de forma prioritária a fiscalização das RPPNEs e sua área de influência, articulando ação conjunta com os demais órgãos públicos fiscalizadores do meio ambiente, com vistas a otimizar resultados.

 

CAPÍTULO V

do RECONHECIMENTO E INCENTIVO AOS PROPRIETÁRIOS E PAGAMENTO PELOS SERVIÇOS AMBIENTAIS

 

Seção I

Do reconhecimento

 

Art. 30. A FATMA concederá ao proprietário Certificado de Reconhecimento por Relevantes Serviços Ambientais prestados pela RPPNE em prol da conservação da biodiversidade, após a elaboração e aprovação do Plano de Manejo e Vistoria Técnica que comprove a manutenção ou recuperação do ambiente natural protegido.

 

Seção II

Do incentivo financeiro à gestão das RPPNEs e pagamento pelos serviços ambientais

 

Art. 31. No caso de empreendimento com significativo impacto ambiental que afete diretamente a RPPNE, o licenciamento ambiental fica condicionado à prévia consulta a FATMA, bem como ao seu proprietário, devendo a mesma ser uma das unidades de conservação beneficiadas pela respectiva compensação ambiental.

 

Art. 32. A FATMA poderá apoiar a implantação de sinalização que indique a existência e a localização das RPPNEs.

 

Art. 33. Compete à FATMA criar o Selo de Responsabilidade Ambiental que poderá ser creditado às RPPNEs que demonstrem as boas práticas do manejo e conservação dos recursos naturais, agregando valor aos produtos e serviços originários destas.

 

CAPÍTULO VI

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

 

Art. 34. A existência de direitos minerários anteriores ao pedido de reconhecimento da RPPNE implicará exclusão da área de exploração minerária incidente no perímetro proposto para a instituição da unidade.

 

Art. 35. No caso da Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE estar inserida em mosaico de Unidades de Conservação, o seu representante legal terá o direito de integrar o conselho do mosaico.

 

Parágrafo único. Quando mais de uma RPPNE estiver inserida no mosaico, os proprietários deverão eleger um representante legal para as RPPNEs.

 

Art. 36. A implementação de qualquer atividade a ser desenvolvida na Reserva Particular do Patrimônio Natural Estadual - RPPNE por terceiros dependerá de autorização prévia do proprietário e deverá estar em conformidade com o Plano de Manejo.

 

Art. 37. O não cumprimento do disposto neste Decreto e nas demais normas pertinentes sujeitará o infrator às sanções administrativas e judiciais, civis e penais cabíveis, além da perda dos benefícios que tiverem sendo concedidos em função da RPPNE, bem como o ressarcimento aos cofres públicos dos benefícios indevidamente auferidos.

 

Art. 38. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

 

Florianópolis, 22 de dezembro de 2010

 

LEONEL ARCÂNGELO PAVAN

Governador do Estado